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Fortes, para quê?

 

O fortalecimento dos partidos políticos, como registrei aqui na coluna de domingo baseado em estudo do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas no Rio, tem diversos aspectos complementares que precisam ser levados em conta para uma avaliação prospectiva otimista da nossa política partidária. Paradoxalmente, a realidade desse revigoramento, alcançado com a introdução das cláusulas de barreira e da proibição das coligações em eleições proporcionais, é ao mesmo tempo razão para preocupação, pois os partidos que ficaram no jogo são dominados por grupos políticos estabelecidos que controlam não apenas a máquina eleitoral, mas também as votações no Congresso e a distribuição das verbas bilionárias dos fundos eleitoral e partidário.

Os critérios desse compartilhamento de benefícios influenciam decisivamente a lista partidária que vai à votação e a distribuição de poderes internos, como comissões e lideranças partidárias. Comparar a geleia geral atual com o cenário da época de Fernando Henrique Cardoso, quando ele tinha de negociar apenas com PFL e PMDB, não havia fundos partidário e eleitoral nem emendas obrigatórias, mostra um primeiro limite. Os “donos” dos partidos — como Valdemar Costa Neto, do PL; Gilberto Kassab, do PSD; Ciro Nogueira, do PP; Carlos Lupi, do PDT; Marcos Pereira, do Republicanos; e o próprio Lula, no PT — istram as contradições com manipulação dos fundos partidário e eleitoral, destituição de comissões provisórias e negociações programáticas precárias e superficiais.

Hoje, teríamos de mexer em questões mais essenciais, como sistema de governo, encarando o debate sobre a introdução do parlamentarismo; o sistema eleitoral, discutindo sobre o sistema distrital, se puro, misto ou lista fechada; a democratização interna dos partidos, com institucionalização de processos e regras claras que evitem o caciquismo. Outras questões, como fim da reeleição e coincidência de mandatos, como está proposto no Congresso, são periféricas.

A verdade é que os deputados e senadores estão cada vez menos preocupados com as grandes questões nacionais e da República e cada vez mais empoderados para o que para eles é central: a própria reprodução política. Desse ponto de vista, não é possível ver racionalização e qualificação do sistema. Temos na verdade dois partidos autênticos ideologicamente, gostemos ou não, errados ou não: PT e seus aliados de esquerda e PL, matriz do bolsonarismo. O Novo era uma semente de liberalismo que virou um anexo do bolsonarismo. O PSDB, antes partido programático, vive crise terminal depois da aposentadoria da geração FH/Serra/Aloysio e da saída dos três governadores.

O resto quer ter 50 deputados, dez senadores, dois ou três governadores e dois ou três ministros, independentemente do sentido estratégico do governo, tanto faz se direita, esquerda ou centro. Mesmo tendo ministros, metade do partido vota contra o governo em decisões essenciais. Analistas definem o momento como a migração do presidencialismo de coalizão, em vigor na época de FH e no curto período de Michel Temer, para um parlamentarismo manco, com muito poder do Congresso sem as contrapartidas de responsabilidade — depois de presidencialismo de cooptação (Lula 1 e 2, Dilma), presidencialismo de confrontação (Bolsonaro 2019) e presidencialismo de rendição (Bolsonaro 2020 a 22).

É verdade que melhoramos muito desde a época do mensalão e que os partidos deixaram de ser manipulados pelo Executivo para ganhar dinâmica própria. Mas a libertação do jugo do hiperpresidencialismo transformou-se no jugo do caciquismo, que resolve internamente nos partidos a divisão do butim democrático, sem se importar com programas de governo, apenas com o poder que conquistaram. A negociação sobre o IOF é exemplar: nenhum dos três Poderes abre mão de seus privilégios para alcançar o equilíbrio fiscal, ainda mais em anos eleitorais.

O Globo, 10/06/2025